O dia de eleição começou cedo com uma ligação da Gabriela, dizendo “eu estou em Sampa, eu estou bêbada, vamos tomar café e rir das pessoas nas seções eleitorais”. E sendo ela uma dessas pessoas que não abrem a boca senão para transmitir sabedoria muito além da compreensão dos pobres mortais, lá vamos nós.
Como eu, ela não vota. Como eu, ela faz questão de estar longe do distrito eleitoral no dia de eleição. Como eu, ela evita o dever cívico por princípio. Não é desdem com a política em si. Não é desilusão com a corrupção. É a compreensão de que a plataforma até mesmo do melhor dos candidatos é a de “vamos-deixar-tudo-como-está”, de que não se deve mexer no sistema, que o supra-sumo de política para saúde é de criar mais leitos, e não mais pessoas saudáveis. Que política de educação são mais carteiras nas escolas, e não dar uma boa razão para o molecada sentar a bunda na cadeira.
(Eu tenho vontade de vomitar quando penso na “educação” que recebi na adolescência, em especial no colegial. Uma sociedade sã iria guilhotinar gente que faz isso com crianças.)
Achar que o dever da máquina pública no século XXI é o de multiplicar os recursos disponíveis para a população ao invés de adaptar o que já existe para uma realidade pós-digital é cegueira e preguiça da pior estirpe – diz ela. E eu respondo “mas convenhamos, o século XXI ainda não entrou na cabeça da população.”
Porque ao meu redor, tudo o que eu vejo são pessoas desesperadamente agarradas ao cadáver do século anterior. 2012 está quase no fim – tem um robô na superfície de outro planeta mandando fotos em alta resolução diariamente. Impressoras 3D a preços de ocasião permitem que você crie praticamente qualquer objeto dentro da sua casa – inclusive outras impressoras 3D. Cientistas estão usando lasers para começar a brincar com picotecnologia – que é igual a nanotecnologia, só que três ordens de magnitude menor, ou trocando em miúdos, construir estruturas átomo a átomo. No LHC, outros cientistas estão colidindo partícuças elementais com tal força que o calor resultante consegue derreter o tecido do espaço-tempo. Meu telefone celular está a um software de distância de se transformar em um autêntico spime (um spime é, simplificando bastante, um objeto que existe ao mesmo tempo no mundo virtual e real, cada qual projetando uma sombra informacional sobre o outro e sobre os demais spimes à sua volta. O conceito, criado pelo Bruce Sterling, é devidamente explicado no livro Shaping Things).
Mas a mentalidade continua a do século XX. Mais de uma década se passou e ainda não saímos da depressão pós-milênio – aquilo que Steward Brand chamou de Long Now, um presente sem futuro, ou pelo menos, um presente onde o futuro está além da linha do horizonte. Em janeiro de 2001, quando a depressão pós-milênio atingiu em cheio o Vale do Silício, ela estourou a bolha da internet e praticamente dizimou toda e qualquer empresa que não estivesse razoavelmente alinhada com a visão de interconectividade e complexidade organizada concebida por Terence Mckenna (mamando nas tetas de Marshall McLuhan), conhecida como timewave zero – mais notadamente, a gigantesca AOL.
(Mckenna, bem como Tim Leary, é herdeiro dos beatniks, a cultura dominante em San Francisco, a cultura que criou o Valo do Silício em primeiro lugar. Jobs, Gates, Yang, Page & Brin, e aquela turma toda descendem de um paradigma cultural completamente calcado no uso de substâncias psicoativas como ferramenta para criar novas conexões. Pense nisso da próxima vez que você ligar o seu computador.)
Só que – veja só, diz a menina – pau no cu do calendário maia! Dezembro de 2012 é a data em que a timewave zero de Mckenna colapsa sobre si mesma, criando uma singularidade. É o último futuro em nosso horizonte, e um futuro que as pessoas que mandam e desmanda no Vale do Silício tem trabalhado arduamente para criar nos últimos 25 anos. Quando a data passar e o mundo continuar nos eixos, vamos sofrer um novo baque, como em 2001. A cultura no Vale do Silício vai perder o leme, e possivelmente vamos ver mais alguns gigantes caírem. Grandes vedetes do Vale já se encontram na situação desconfortável de encarar o abismo da falta de financiamento, como em 2011.
Dois cenários se desdobram para 2013. Ou vai ser um ano de merda, igual 2001, ou vai ser um ano sensacional, como 1998.
2001 foi um desastre de promessas não cumpridas e emergência de filosofias retrógradas, a última convulsão violenta da morte do milênio anterior. Já 1998, foi um ano sensacional. Tudo mudou em 1998. A Internet deslanchou de vez, o Google mudou a cara da internet, RFID tornou-se comercialmente viável (e implantável no corpo humano). Run Lola Run gritando no cinema – um poderoso manifesto cultural, um bando de garotos Europeus jogando pela janela séculos de tradição e gritando: “este é o futuro que iremos construir”. 1998 foi um ano esquisito, e um ano excelente. Em 1998, eu conheci a Gabriela, e a primeira frase que ela dirigiu a mim foi “E você aí, tá olhando o que?”
E eu tenho essa sensação de que 2013 vai ser um novo 1998. Talvez o grande desapontamento com o eschaton que não veio no final de 2012 finalmente liberte as pessoas desse marasmo. Talvez elas comecem a perceber que já estamos vivendo no futuro. Talvez finalmente se instaure uma curva ascendente de adoção de uma mentalidade mais apta ao século XXI. Talvez a próxima eleição não tenha um número recorde de votos brancos e nulos, porque talvez apareça, daqui até lá, gente disposta a fazer mudanças sutis, mas importantes, na forma em que se organiza uma sociedade.
Talvez.
Fiquei feliz de saber que a Gabs tem o mesmo feeling que eu quanto a 2013. Significa que não é pura loucura minha. Tem alguma coisa no ar, alguma coisa esperando o momento de dar o bote.
Só espero que, diferente do resultado dessa eleição, a coisa que espreita o futuro próximo seja uma coisa boa.